Rua da Bahia
Contextualização Histórica
Todos os caminhos iam à Rua da Bahia. Da Rua da Bahia partiam vias para os fundos do fim do mundo, para os tramontes dos acabaminas… A simples reta urbana… Mas seria uma reta? Ou antes, a curva? Era a reta, a reta sem tempo, a reta continente dos segredos dos infinitos paralelos. E era a curva. A imarcescível curva, épura dos passos projetados, imanência das ciclóides, cÍrculo infinito… Nós sabíamos, o Carlos tinha dito. A Rua da Bahia era rua sem princípio nem fim. Descíamos. cada um de nós era um dos moços do poema. Subíamos. Um moço subia a Rua da Bahia.
(Pedro Nava)

Belo Horizonte foi a primeira cidade planejada do Brasil. A Rua da Bahia foi inaugurada junto com a capital, então chamada de Cidade de Minas Gerais, em 1897.
A via foi planejada como eixo de ligação entre a parte administrativa, erguida na Praça da Liberdade, e o centro comercial que surgiu ao redor da Praça da Estação e da Avenida Afonso Pena.
Experimentou grande efervescência política e cultural, com presença de artistas, intelectuais e jornalistas, estabelecendo - se como a porta da cidade.

[...] agora estamos a três quarteirões do Bar do Ponto, que é o centro. Eu me referia ao centro da cidade, mas logo veria que aquilo era o centro de Minas, do Brasil, do mundo. Mundo vasto mundo.
(Pedro Nava)

A Rua da Bahia e adjacências abrigam ao todo 86 construções tombadas, de acordo com a catalogação efetuada pelo “Guia de Bens Tombados de Belo Horizonte”, em 2006. A região apresenta uma diversidade estilística bastante rica, estando presentes construções arquitetônicas com características dos movimentos eclético, art-déco, protomoderno, e o moderno. Vale ressaltar também o tombamento da Cantina do Lucas, importante reduto artístico do passado.
De todo modo, ainda que tombados, parte desse patrimônio se encontra em baixa qualidade de preservação e utilização. Fachadas deterioradas, pichações, e pinturas desgastadas, montam o cenário atual, aliadas a imagem negativa do entorno, com excessiva poluição visual, poluição sonora, calçamento e iluminação de má qualidade, e trânsito constante de veículos. Além disso, a região apresenta grande criminalidade no período noturno, principalmente na região próxima a Praça da Estação.
Ainda assim, como ponto positivo é possível identificar a utilização de alguns locais para a produção cultural e vivência turística da cidade. Dentre esses, são destacados: Viaduto Santa Tereza, o Parque Municipal, o Othon Palace Hotel, o Edifício Maletta, o Centro de Cultura Belo Horizonte, a Faculdade de Direito da UFMG, a Academia Mineira de Letras, a Basílica de Lourdes, a Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, o Minas Tênis Clube.
A Rua da Bahia, principalmente o trecho entre as avenidas Afonso Pena e Álvares Cabral, representava o coração da cidade, como disse Pedro Nava, o centro, não só de Belo Horizonte , mas do mundo, uma vez que diversos intelectuais, belo-horizontinos e até estrangeiros se reuniam nos diversos atrativos da rua. Tudo acontecia e se fazia em torno da Rua da Bahia.
A rua era ponto de inspiração de poetas e cronistas mineiros que, na década de 20, integraram o movimento modernista literário, tais como Carlos Drummond de Andrade, Emilio Moura, Abgar Renault, Milton Campos, Pedro Nava, a “nata” da inteligência belo-horizontina. Com a instalação da primeira universidade da cidade, diversas pessoas vinham de outras cidades e estados para estudar em Belo Horizonte, aumentando ainda mais o número de personagens influentes.

Seria Carlos Drummond ou Aníbal machado que disse: – Cidade casmurra e provinciana onde nada acontece. Dorme a tradicional família mineira. Vocês querem ver? Vou ficar pelado agora e subir esta avenida, e nada vai acontecer. E assim foi. Nada aconteceu. (Milton Campos)

Um dos importantes pontos de encontros na rua eram as livrarias, Pedro Nava depõe sobre a Livraria Francisco Alves:
O Abgar, o Milton, o Carlos, o equilibrado Capanema e o abastado Gabriel estavam sempre em fundos e, como tal, eram os primeiros admitidos à abertura dos caixotes – cerimonial que só participavam os iniciados e que se realizava no corredor vizinho à jaula do livreiro Castilho.
Na esquina com a Avenida Augusto de Lima, existia o hotel mais importante da cidade, o Grande Hotel. Era comum da sacada do segundo andar, políticos discursarem para a população belo-horizontina. Além de políticos, personagens importantes já se hospedaram no hotel, como Santos Dumont, Olavo Bilac, Rui Barbosa, Osvaldo Cruz, Getúlio Vargas, entre outros. Em 1957, o hotel foi demolido para a construção do edifício Aracângelo Maletta, inaugurado em 1961.
No Térreo, do então novo prédio, existiam diversos bares, entre eles os ainda existentes, O Pelicano, Lua Nova e Cantina do Lucas, sendo que os dois últimos foram movimentados pontos de encontro de intelectuais e jornalistas. “Dizem que o freguês tomava o aperitivo vespertino no Lua Nova e ia rebater, noite adentro, na cantina do Lucas” (Salles, 2005).
A Rua da Bahia também tinha importância no carnaval de rua belo-horizontino. Nas décadas de 30 e 40, além do movimento na Afonso Pena, a folia se concentrava no quarteirão da Rua da Bahia, entre a avenida e a Rua dos Goitacazes, e em torno do Trianon e da Elite (movimentados bares da época). Mais tarde com o fechamento do Trianon e da Elite coincidiria com a decadência do carnaval de rua; ainda assim, o Gruta Metrópole (outro movimentado bar da rua) acolheu os últimos remanescentes da boemia carnavalesca.
Na primeira metade da década de 50, após o fechamento dos bares do Ponto e do Trianon, começara a funcionar a Gruta Metrópole, que foi sem dúvida, o ultimo reduto da vida boêmia daquela rua. Lá, reuniam-se “intelectuais, jornalistas, políticos, artistas, comunistas, professores, empresários, funcionários públicos, esportistas, barbeiros, tudo que se pode imaginar. Todos discutiam tudo: política, esportes, negócios, artes, filosofia, literatura, segredos de família. A maledicência e os mexericos completavam o cardápio variado” (Salles, 2005).
Conversa de botequim não instrui, mas informa. (Antônio Pinto Coelho)
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